sábado, setembro 17, 2005

Ausência


É o mesmo café de sempre, a mesma mesa de sempre - no canto.
Olho em volta, vagarosamente, e sento-me. Com uma subtileza vulgar peço um café, e saco de um cigarro. Dou uma passa. Tenho tempo.
A manhã acorda suavemente, ao ritmo do nevoeiro que apareceu sem avisar. E como parece estranha esta cidade - sinto que não a conheço, embora sempre a tenha conhecido. As pessoas passam em frente a vitrine como se de uma passagem de corpos sem alma se tratasse. Tudo parece mecanizado. Altos, baixos, gordos, magros, todos os corpos se unem nesta dança vazia, monótona. Tantos destinos, e uma só cidade.
Dou uma passa.
Desvio o meu olhar para um canto da vitrine, como que conduzida por algo exterior a mim, e sinto... para lá do fumo que sai em linha dos meus lábios, vejo... um vulto, uma sombra que me observa.
O café chega. Mais uma passa.
Volto a concentrar a minha atenção nesse vulto, que agora se aproxima. Uma sensação de inquietude espalha-se pelo meu corpo à medida que o vulto se transforma num corpo alto, algo familiar. Percorro a linha que compõe esse corpo, num olhar de curiosidade e nervosismo.
Mais uma passa.
Olho o café, pousando a colher, e uma mão se sobrepõe à minha. Observo essa mão, que tão familiar se torna... Elevo o olhar, lentamente, a medo... e vejo-te.
Sem uma única palavra sentas-te, e olhas-me, como se fosse a única pessoa presente.
Sinto o meu corpo paralisado... és tu... tu, que em tantas noites me tiraste o sono, e que tantas vezes me fizeste chorar... mas... que fazes tu aqui?...
Esboças um sorriso, como que lendo o meu pensamento. Recolhes a mão, e encostas-te na cadeira, cruzando as pernas num movimento compassado.
Continuo sem me mexer, apática, e sem perceber o que fazes à minha frente. Separas os lábios, como se me fosses responder, mas voltas a juntá-los, baixando os olhos, em sinal de tristeza.
Inspiro, ganhando folgo para te falar, mas no momento exacto em que o decido fazer olhas-me novamente, com uma incrível frustração no olhar, e a minha voz desaparece, antes que a pudesse usar... E tu não te mexes...
Desvio o meu olhar de novo para a vitrine, onde a mesma passagem de corpos sem alma se faz. Permaneço assim breves segundos, a olhar para o nada no meio desses corpos envoltos no nevoeiro.
Lembro-me de ti, e volto a olhar em frente, vendo apenas uma cadeira vazia...
Mais uma passa.
Permaneço assim por momentos, contemplando essa cadeira nua.
Olho o café, frio.
Dou a passa final e apago o que resta do cigarro.
Deixo uma moeda em cima da mesa, e junto-me aos corpos sem alma.
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16 Setembro 2005
04:30