terça-feira, agosto 09, 2005

Ela seria alta. O corpo seria longo, moldado de uma só vez, como se tivesse sido por Deus, com a perfeição indelével do acidente pessoal.
Não se pareceria, de facto, com ninguém.
O corpo é sem nenhuma defesa, é liso do rosto aos pés. Pede o estrangulamento, a violação, os maus tratos, os insultos, os gritos de ódio,o desencadear de paixões inteiras, mortais.
Olhas para ela.
É muito magra, quase grácil, as pernas são de uma beleza que não participa da beleza do corpo. Não têm implantação real no resto do corpo.
Dizes-lhe: Deve ser muito bela.
Ela diz: Estou aqui, olhe, estou à sua frente.
Tu dizes: Não vejo nada.
Ela diz: Tente ver, está incluído no preço que pagou.
Agarras no corpo, olhas para os seus espaços diversos, dás-lhe uma volta, mais uma ainda, olhas, uma vez mais ainda.
Desistes.
Desistes. Deixas de tocar no corpo.
.
Até essa noite, ainda não tinhas percebido como se podia ignorar aquilo que vêem os olhos, aquilo que tocam as mãos, aquilo que toca o corpo. Descobres essa ignorância.
Dizes: Não vejo nada.
Ela não responde.
Dorme.
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in Textos Secretos
Marguerite Duras